“Manga verde dá dor de barriga!”. Era essa a frase que eu sempre ouvia de minha avó, todas as vezes que subíamos na mangueira do no nosso quintal, para comermos manga verde com sal. Ouço a voz de minha vó nos dando várias recomendações tentando nos precaver de incidentes.
Ouço a voz dela nos contando, em baixo da mangueira, mil histórias diferentes que sempre se repetiam a nosso pedido. Era tão bom!!!
O chamávamos de mini fazendinha, pois lá se criava galinhas, cachorros, patos e diversos passarinhos que vinham nos visitar, além, é claro, das crianças que moravam na nossa rua e nunca saiam de lá. rsrs
Tinha pé de tudo... De manga, limão, abacate, côco, mamão, goiaba, cacau, pimenta e até plantas medicinais. Os maracujás nasciam sem que precisássemos plantar. As flores eram lindas!!!
Minha mãe contava que antes de eu nascer, todo aquele espaço era um mangue, e que meu avô, com a ajuda de meus tios mais velhos, entulhou lata por lata aquela área. Depois das construções das casas da frente, ele criou uma grande horta; era dela que tirava parte do sustento da família. Talvez por isso o solo fosse tão fértil, pois era regado de muito amor e dedicação. Terra abençoada! Essa história me fascinava. De onde será que eu tirei tanta garra!?
Lembro-me também que todas as nossas vizinhas iam lá, com uma latinha, buscar um pouco de terra preta para plantar uma mudinha, e entre uma lata e outra, altos papos rolavam em baixo da sombra das árvores. E por falar em árvores... Tínhamos um balanço feito de pneu e/ou de pedaço de madeira. Tomei várias quedas onde fui arremessada à distância...kkkkkk
Antes o quintal parecia tão maior do que é hoje. O meu tamanho em relação ao espaço, naquela época, não era proporcional ao prazer que me dava em partilhar todas as minhas tardes junto aos meus primos e amigos tão queridos.
Brincávamos de lata-lata; de se esconder atrás do pé de jurubeba; de baleô; de pular elástico e pular corda; de amarelinha; de escolinha; de cantar, dançar; de futebol; 7 pedrinhas; salada de frutas... Colocávamos vaga-lumes dentro de frascos de vidro... Acho que estes não gostavam muito dessa brincadeira. Tadinhos!
Em dias de calor, tomávamos banho de mangueira; e em dias chuvosos, tomávamos banho de chuva e fazíamos a dança do sol. Simples assim!
A noite ninguém queria ir lá. Surgiram as lendas do homem da capa preta, da mulher de branco, da mulher de vermelho, do lobisomem, do chupa-cabra, e de todos os tipos de personagens considerados “do mal”. Isso tudo só porque o lugar era escuro. Ha... Tínhamos uma cabra chamada Tieta!
Todavia, de noite, quando não estavamos reúnidos assistindo a novela Carrossel, brincávamos na rua sem medo de nada, e os nossos pais ficavam na porta tomando conta; os nossos ou os dos nossos colegas, os quais chamávamos de tios e tias.
Na moda do patins in-line, quem não tinha um esperava a vez para tomar o do colega emprestado e “dava uma voltinha”, depois devolvia. Chegávamos a brincar de corrida com cada um usando apenas um pé do patins, e o outro pé ficava descalço. Nunca esquecerei a queda que tomei na rampinha da porta de Adilson que andava de cadeiras de rodas. Quando a moda estava quase acabando, eu ganhei um de presente, mas durante aquela febre, eu não senti falta de ter um só meu, pois minhas amigas não deixaram isso acontecer.
Os personagens que surgiam na rua também eram engraçados. Tinha Maricota, Inácio, a Bruxa do Carvão, a família de Clarisse (tinha quebra pau toda semana no meio da rua); a mulher do “♫ Bejú de côco, Lelê ♪!”; as pipocas de dona América que a gente rezava e botava sal antes de comer, Tonhão do gesso (roubávamos uns quilinhos para fazermos objetos de decoração nas forminhas e ainda vendíamos)... Todos estes eram reais.
Quem nunca botou um palitinho em uma campainha, que atire a primeira bolinha de papel!
As festas de São João, ou da Paixão de Cristo, enchiam a rua de enfeites e bandas tocando ao vivo. Tinham vários jogos de campeonato: Pau-de-sebo, Ovo na colher, Corrida de Saco, Quebra Pote, Dança com a Laranja... Ganhei tantos concursos de lambada com Jadinho! Os prêmios eram caixas de chocolate, calculadora, discos de Vinil, fitas K7, e até caixas de refrigerante ou de cervejas – Para nossos pais! Cheguei a ganhar alguns concursos de desfile também... rsrs
Ai meu Deus! O que eram as festas na casa de tia Lucinha, que duravam sempre dois dias, onde a rua inteira comparecia? Tocava todos os Hits do momento... Eram passinhos do Gerasamba, do Harmonia, Companhia do Pagode, inclusive das Chiquititas.
E as festas que fazíamos, e freqüentávamos, onde servia apenas bolo e chocolate quente? “Cada um traga seu copo!”. Que delícia!!! Era mito massa!
As brigas eram de puxar cabelo, e nada além disso; dez minutos depois já estava todo mundo “de bem”, como se nada tivesse acontecido.
Todas as vezes que lembro de minha infância, fico alegre e triste ao mesmo tempo. Essa semana eu tenho relembrado muitas coisas, tenho até sonhado... Acho que é saudade dos tempos em que eu não tinha tantas responsabilidades. Minhas únicas responsabilidades eram: Não faltar aula, ser boa aluna, ser boa pessoa, respeitar os mais velhos e não brigar com meus irmãos. Era tão mais fácil, tão mais gostoso! Ai se eu tivesse o dom de voltar o tempo... Ou nem isso... Se eu pudesse ao menos assistir tudo isso em um aparelho de DVD.
Hoje este quintal ainda existe, mas não tem mais o mesmo brilho. Virou motivo de discórdia entre a família depois do inventário. É incrível pensar que a mesma terra que nos deu tanto prazer e nos trouxe tanta felicidade, hoje está a ponto de ser vendida, e/ou ser tomada por uma tonelada de concreto por aquela mesma família que desfrutava da sombra e da água de côco fresca.
Eu não moro lá faz sete anos, mas sinto como se estivessem arrancando um pedaço de mim. Pelo meu gosto a mangueira ficaria ali por mais 200 anos, para que cada vez que eu passasse e olhasse pra ela, eu pudesse ter o prazer de ouvir a voz da minha avó me dizendo... “Minha filha... Manga verde da dor de barriga!”.
Dedico estas lembranças a ‘minha vó Cecé’ (era assim que a chamávamos, tomando posse); aos meus irmãos: Jeferson e Joice; aos meus primos: Jadinho, Catiça, Miro, Veio, Binho e Mayara; e a todos os meus vizinhos (hoje a maioria já pais e mães) que juntos comigo fizeram parte da história mais linda da minha vida: Paulinha, Carine, Miana, Jajá, Simone, Dinho, Lisneide, Kika, Liu, Rafa, Jeane, Rebeca, Beto, Manú, Marcela, Jéssica, Driele, Carine Cabelinho, Kátia, Branca 1, Deise 1, Anne, Luciana, Mazinho, Heron, Pita, Carol, Evinha, Deise 2, Thaiane, Branca 2 ,Vini, Bocão, Bambam, Layla, Rosa Sara (quem lembra dela!?), Luciana, Rick, Paula, as meninas 'do beco', Bocão, Secão, Cezinha, Marcos Paulo, e todos aqueles que eu não lembrei agora, mas que lembrarei gradativamente.
Abraços para todos vocês.