... Então eu dei uma sumida
temporária aqui do BLOG para tentar me desvincular um pouco da sociedade
massacrante em que vivemos (se é que isso é possível). Nunca sabemos ao certo
quem são as pessoas que nos cercam e o que elas querem realmente de nós. E quanto
mais pensamos que somos capazes de conhecer e entender os outros, é que
descobrimos que não conhecemos nem a nós mesmos.
Achei que eu fosse forte e “imbatível”,
e que estaria preparada para qualquer situação inesperada, afinal eu sou uma
pesquisadora profissional de comportamento e consumo. Porém, dessa vez, eu fui
a nocaute por uma decepção.
Sempre preferi pagar o preço por
ser verdadeira. Isso significa dizer que falo o que o que penso, luto pelos
meus direitos, me afasto de quem não me faz bem, só como e bebo o que eu gosto
(não bebo e não fumo), não faço nada que me desagrade para agradar ninguém, não
vou a lugar nenhum se eu não estiver com vontade... E assim vou levando a vida,
sem passar por cima de ninguém, sem tirar proveito de situações duvidosas, sem
trair a confiança das pessoas que me cercam... E o preço é bem alto!
O fato é que aproveitei este
tempo para dar um pulso aos meus projetos e refletir sobre a vida como um todo.
Neste meio tempo me deparei com um filme argentino lançado em 2011, isento de
superprodução visual, porém com uma superprodução no texto e no roteiro que me
fez refletir sobre meu problema em relação a essa sociedade mesquinha, doente e
traiçoeira chegando a conclusão de que este mal vem atingindo a muitas pessoas.
O filme se é intitulado como: Medianeras: Buenos Aires da Era do Amor Virtual
Em
uma busca no Google atrás de filmes leves para distrair minhas ideias, alguém indicava
o filme MEDIANERAS. Busquei por esta palavra e dei um clique no primeiro vídeo
que apareceu na pesquisa. Confesso que eu só fui ler o título completo depois
que terminei de ver o filme, e tenho certeza de que se eu o tivesse lido desde
o começo, jamais teria assistido, pois teria concluído que se tratava de um
clichê daqueles que estamos acostumados a ver em comédias americanas. Que bom
que eu não li, porque fui hipnotizada desde o primeiro plano que apareceu na
minha tela.
O filme inicia mostrando imagens da
arquitetura de Buenos Aires e segue com a narração do personagem Martin, interpretado
pelo ator Javier Drolas, que passa a traçar um grau comparativo entre a
arquitetura dessa cidade e da sociedade que nela habita.
Eu, uma apaixonada por
arquitetura e pesquisadora social, não consegui mais tirar os olhos da tela, pois
foi uma identificação imediata; e enquanto
Martin fazia suas comparações entre os edifícios e as pessoas, eu fazia a
relação entre o contexto do filme, os dois protagonistas e a minha vida. Eis aqui
a razão desta postagem.
Achei
necessário incluir a fala dos quatro minutos iniciais do filme para que se faça
entender melhor do que se trata. Muito mais devido a sua intensidade e
veracidade. Segue:
“Buenos Aires
cresce descontrolada e imperfeita. É uma cidade superpovoada em um país
deserto. Uma cidade onde se erguem milhares e milhares de edifícios sem nenhum
critério. Ao lado de um muito alto, tem um baixo. Ao lado de um racionalista
tem um irracional. Ao lado de um estilo francês te um sem estilo. Provavelmente
estas irregularidades nos refletem perfeitamente. Irregularidades estéticas e
éticas. Estes edifícios que se sucedem sem lógica demonstram nossa total falta
de planejamento. Exatamente assim é a nossa vida que construímos sem saber como
queremos que fique.”
E dentre
algumas frases específicas sobre a cidade de Buenos Aires, ele continua...
“Os edifícios,
como muita coisa pensada pelo homem, servem para diferenciar uns dos outros.
Existe o frente e o "contrafrente". Pisos altos e pisos baixos. Os privilegiados
são identificados pelas letras A, às excepcionalmente B... Estou convencido que
a separação e o divórcio, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a
falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão e os suicídios,
as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, a tensão muscular, a
insegurança, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são culpa dos
arquitetos e empresários da construção.”
Nas minhas aulas
na pós de audiovisual eu já tinha ouvido falar que os edifícios são também
considerados mídias. Pois estes “dizem” exatamente onde estamos e qual é o
nosso lugar perante a sociedade. E esta análise descrita por Martin não se
reduz apenas a cidade de Buenos Aires, e sim a toda grande metrópole.
O protagonista
do filme faz parte do meio maior, ou seja, é pouco privilegiado em relação ao
tamanho e disposições de seu apartamento. Trabalha em casa desenvolvendo sites
e sofre de fobia e de todos os outros males que o mesmo descreveu nas frases
acima. Martin diz que o único destes
males que não sofre é o suicídio, contudo esta questão é relativa, pois o mesmo,
após repetitivos ataques de pânico praticamente se matou perante a sociedade
quando decidiu trabalhar em casa e cortar de sua vida, durante dois anos, as
ações mais comuns do dia a dia, inclusive se deslocar por meio de carro, ônibus,
metrô e avião. Ele mora sozinho e se limitou a viver na frente da tela de seu
computador; através deste meio digital faz compras, pede comida, “constrói”
relacionamentos (ou pelo menos tenta), joga... Seu psiquiatra diz que és um
fóbico em recuperação.
Analisando a
minha vida, ultimamente eu tenho vivido praticamente da mesma forma. Trabalho em
casa com o auxílio constante do computador e faço a maioria das minhas compras
via internet, também jogo, mas nunca pedi comida, pois cozinhar é um dos meus
grandes prazeres... Só desisti de construir relacionamentos via rede social,
pois tenho excluído mais pessoas do que tenho adicionado.
Voltando ao filme... Como forma de tratamento sobre
o medo da cidade que seu paciente sofre, o psiquiatra sugere que o mesmo passe
a tirar fotos como uma maneira de redescobrir a cidade e as pessoas.
Aí está mais
um ponto de identificação entre o filmem e eu. Sou fotógrafa profissional e
utilizo das minhas lentes para observar o mundo de outra forma. E no desenrolar
da cena percebo outro ponto de identificação, que é a paixão de Martim pela música.
Só no ipod ele carrega 8.000 interpretações; assim como eu, que tenho como
grande hobby o canto e da dança. De fato, acredito que a fé e arte salvam.
Aos sete
minutos e 40 segundos começa a apresentação da segunda personagem que leva o
nome que possui uma junção do meu e o de minha mãe, Mariana, interpretada pela
atriz Pilar López. Ela tem formação em arquitetura, porém trabalha como
vitrinista de lojas de roupa.
Eu ensino
sobre esta profissão aos meus alunos, pois minha formação é Design e Moda.
“Se minha vida
fosse um jogo, caberia a mim o castigo de voltar cinco casas.” Assim começa a
personagem descrever sua vida.
Passei então a refletir sobre esta ideia... Se a minha vida fosse um jogo eu voltaria para a
cidade anterior, da qual saí faz dois anos.
A cidade maravilhosa me permitiu exercer minha profissão em paz e
conhecer outras cidades e sociedades ampliando meus graus comparativos sobre
muitas questões. Talvez por isso eu não tenha tido ataques de pânico... Ou será
que tive?
Poucas pessoas
conseguem entender o fato de eu ter saído da segunda maior metrópole do país
para ir morar em uma cidade metropolitana oriunda da terceira maior cidade do
Brasil, com pouca mais de 170.000 habitantes.
Na sequência, Mariana
diz que o fato de ela estar dentro de um Planetário observando o universo, faz
com que se ponha em seu lugar ao se perceber pequena em relação à imensidão da
terra e das galáxias.
Na comparação,
entendo que o fato de eu ter viajado o Brasil inteiro conhecendo cidades de
todos os tamanhos e pessoas de todas as classes, também me serviu como antídoto
para entender que meus problemas não são superiores aos dos outros e que a
felicidade pode estar em pequenas coisas. Esta questão é muito bem ilustrada no
filme quando Mariana se compara ao personagem Wally, do livro britânico Where's Wally? (Onde Está Wally?). Um
pequeno cidadão perdido entre milhões de pessoas.
Martin tem
como companhia domiciliar o pequeno cachorro peludo deixado por sua
ex-namorada.
Minha cadela
se parece muito esteticamente com o cachorro de Martin e tem uma função crucial
na minha
vida, nunca me deixar sentir sozinha. Papel que ela cumpre com total competência.
Assim como Susú, Dandara também tem medo de sair na rua e se esconde todas as
vezes que algum estranho se aproxima, pois foi criada em apartamento e veio pra
mim quando já tinha 7 anos.
Mariana sofre
pelo término do seu relacionamento de quatro anos e encontra-se amontoada entre
os objetos que fazem parte de sua mudança de apartamento e seus sentimentos.
Quando terminei
meu relacionamento, há 2 anos, com meu ex que leva o mesmo nome do ex de
Mariana, me senti aliviada, pois, assim como ela, eu também não o conhecia de
fato. Nunca sabemos se as informações que eles postam em suas redes sociais são
verdadeiras; sendo assim, criamos expectativas e depois percebemos que o mundo
virtual é ilusório. Prestes a mudar de casa, com todos os objetos embalados,
mudamos, não só de casa, como de cidade e de amores.
O ápice do filme é quando Mariana e Martin,
que ainda não se conhecem, resolvem abrir uma janela na parede cega
(medianeira) de seus apartamentos. Uma ação ilegal mas que lhes são vistas como
uma rota de fuga da escuridão e da solidão que são suas vidas. Ambos fazem
questão de tomar as ferramentas dos profissionais e quebrarem parte da parede
com total sensação de prazer. Isso funciona como se fosse uma ação da quebra da
corrente de um presidiário que anseia por sua liberdade. Só a partir deste
momento Mariana consegue arrumar os objetos de sua mudança e abrir a janela de
sua alma e de sue coração.
Fixada na
vista de sua janela mariana questiona: “Quando iremos ser uma cidade sem fios?
Que gênios taparam o rio com prédios e o céu com cabos? Tantos quilômetros de
cabos servem para nos unir ou para nos manter afastados, cada um em seu lugar?
A telefonia celular invadiu o mundo prometendo conexão sempre. Mensagens de
texto, uma nova linguagem adaptada para dez teclas que reduz uma das línguas
mais lindas a um primitivo, limitado e gutural vocabulário. “O futuro está nas
fibras ópticas”, dizem os visionários. Do seu trabalho poderás esquentar sua
casa. Está claro que ninguém vai te esperar com a casa quentinha. Bem vindo à
era das relações virtuais!”.
E é através da
luz desta nova janela que ela, em fim, encontra Wally, aquele que ela buscava em seu livro
desde criança.
Foi neste
momento que percebi que, ao contrário de me trancar, preciso abrir novas
janelas. Por isso deixei só de projetar e passei a por em prática minhas ideias.
Basta esperar para ver os resultados.
De uma coisa
eu tenho certeza: enquanto minha vida virtual estiver offline, minha vida real
será muito mais produtiva e realizada.
Ficha Técnica:
Medianeras: Buenos Aires da Era do
Amor Virtual
Duração: 95 minutos
Protagonistas: Javier Drolas (Martín)
e Pilar López de
Ayala (Mariana).